Acabei de ler a coluna da Adriana Setti no site da Época que fala do alto padrão de vida da classe média brasileira, em comparação com a vida mais “simples” na Europa, onde grande parte da classe média usa o transporte público e limpa o próprio banheiro. Achei interessante porque sinto falta dessa tal da vida simples (mas não de limpar o banheiro!) e me assusto a cada dia com o altíssimo custo de vida que temos hoje em São Paulo.
O texto parte da história dos pais de Adriana, que decidiram passar um ano morando em Barcelona e rapidamente descobriram que apesar de pagarem aluguel, comerem fora quase todos os dias e passearem e viajarem muito mais do que no Brasil, eles estavam gastando menos. Não duvido. Mas não duvido mesmo.
Tendo voltado há 1 ano para o Brasil, uma das coisas que ainda me surpreende a cada dia é como o dinheiro me escorre pelas mãos. E quem me conhece sabe que praticamente não compro roupa (muito menos de marca), que vou a 3 supermercados diferentes para tentar gastar menos, que apesar de ter dois filhos com menos de 4 anos eu não tenho babá, e que ando dando muito menos voltas por este mundo do que eu gostaria.
Mas por que será que não dá para levar essa vida simples (e mais em conta) por aqui?
Não é apenas por causa do preço das roupas e dos restaurantes, porque você ainda pode escolher não comprar as roupas, nem ir aos restaurantes. O problema são as coisas que você não pode escolher.
Saúde, por exemplo. Um bom atendimento médico no Brasil é artigo de luxo. Sem nenhum exagero. Além de ter que pagar um bom plano de saúde, se você quiser ter acesso aos melhores hospitais (em SP, leia-se Sírio Libanês e Albert Einstein) você precisa pagar quatro vezes o valor do já caro bom plano de saúde. E mesmo pagando quatro vezes mais, vai ser muito difícil encontrar um bom médico que aceite o seu bom plano de saúde. E acreditem, não foi por falta de tentar. Levei meus filhos a 4 pediatras do livrinho do plano. O último, um pediatra que aceitava Bradesco no nobre bairro da Vila Mariana, sequer encostou na minha filha para examiná-la antes de receitar cortisona e me despachar em 4 minutos. E posso dizer, se ele quisesse encostar, eu não deixaria, porque as unhas dele eram compridas e estavam bem sujas. Depois desse, desisti e passei a pagar uma boa quantia ao nosso adorado pediatra sem reclamar e agradecendo por estar na pequena parcela da população que tem essa possibilidade.
Quer outro exemplo? O Detran. O Detran existe para fazer você gastar dinheiro. Experimente transferir um carro para o seu nome. Só de ler o que é preciso fazer no site o ser humano fica à beira de um ataque de nervos e se dispõe a pagar qualquer valor para um despachante, fora as taxas cobradas pela adorável instituição. Quer mais? A renovação da carteira (quem precisa fazer curso de atualização a cada 5 anos para não esquecer como dirigir?) e as vistorias, tudo com seus respectivos gastos de tempo e dinheiro.
Agora, a empregada doméstica. Confesso que quando decidimos voltar para o Brasil eu estava pendurando roupa à meia-noite e pensei “Nem acredito que não vou mais precisar pendurar roupa a essa hora!”. Ter alguém para me ajudar em casa foi uma decisão que eu tomei assim que decidi voltar. Mas eu não imaginava que seria tão difícil. Muitas candidatas sequer vinham fazer a entrevista quando descobriam que eu tinha dois filhos e nenhuma babá, mesmo sabendo que eu trabalho em casa. E mesmo quem decide cuidar da casa a la classe média européia, rapidamente descobre que os produtos de limpeza brasileiros são uma porcaria e que dificilmente terão que limpar apenas um banheiro, porque um apê legal por aqui tem um banheiro em cada quarto, fora o lavabo e a dependência de empregada. E, me desculpem, não dá para ter uma vida simples com tantos banheiros para limpar em casa.
Ai, eu não queria reclamar da vida e não estou reclamando. A vida é feita de escolhas e morar no Brasil ou na Europa tem o lado positivo e o negativo. Estou feliz com os positivos. Mas quem acha que é fácil trazer a vida simples na bagagem, está muito enganado. Quando a gente volta, por mais que tenha aprendido um pouco a viver de um jeito diferente, não consegue mudar a cultura, o governo, a falta de estrutura e, muito menos, o preço das coisas.